quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Generosas instruções

Hoje passo o teclado ao Roberto Giordani, que nos traz um relato seu, envolvendo também o ex-piloto Haroldo Dreux. A conversa surgiu quando apareceu uma imagem de uma prova disputada em Porto Alegre, no fim dos anos 50, na qual aparecia discretamente o Volkswagen com motor Porsche 1500 cc pilotado por Haroldo. Foi seu filho Jorge Dreux que identificou o mesmo. O relato de Giordani é dirigido a este último.

"Jorge Dreux: gostaria de relatar especialmente a ti e aos meus amigos Jurássicos uma passagem muito marcante na minha carreira de piloto de competição, e que envolve a figura do Engenheiro e Piloto Haroldo Dreux, o Sr. teu pai.

Muito jovem ainda eu o conheci, mas ficou gravado em mim uma ótima lembrança do mesmo, pelo cavalheirismo, que não era e nem é até agora muito comum de se encontrar neste esporte motor, e pela atenção que teve comigo no longínquo ano de 1960, momentos antes da largada de uma prova denominada Circuito Cidade de Taquara, na cidade de Taquara evidentemente, e destinada a viaturas de Turismo com motores de capacidade até 1500 cc, e creio que divididas em duas categorias.

O traçado do circuito era um perfeito desenho de um paralelogramo, evidentemente com quatro curvas de 90º e quatro retas ligando-as, sendo duas retas bem mais longas que as outras duas restantes.

A corrida foi transmitida pelo saudoso Ernani Behs, filho de Taquara e "speeker", se não estou equivocado, da Rádio Guaíba AM, que em 1957 tinha ido ao ar pela primeira vez e se consagrado com a transmissão direta da Copa do Mundo de Futebol de 1958 que consagrou o primeiro título do Brasil neste esporte.

O grid de largada estava repleto de "feras"; nomes consagrados e experientes em competições, inclusive em edições de Mil Milhas Brasileiras, com viaturas muito bem preparadas, que por si só, já antes da largada me davam " um frio na espinha", só de estar ali e pensar que teria de enfrenta-los. Com DKW( em outra categoria ) estava nosso amigo Jurássico, Heinz Iwers, e se não estou equivocado já chegava na pista diplomado pela Escola de Pilotagem de Nurburgring na Alemanha; aquilo tudo era " muita areia para o meu caminhãozinho", que somente a grande vontade de pilotar em competições que eu tinha faziam com que eu não tivesse " um saracutico" de emoção do momento. Com viaturas VW, além de outros, estavam Lauro( Laurinho)Maurmann Jr e Romeu Hass, dois " baita botas " que tinham suas preparações feitas pelo Renato Petrillo, sócio do Laurinho, e que tinham ido para Taquara com a séria intenção de um ou outro de ganharem a corrida; o terceiro VW da digamos, "equipe", era o meu, que por falta de tempo e de "grana" mesmo, o Petrillo só pode dar uma modesta melhorada no desempenho e colocar um escapamento dito " cruzado " que produzia um enorme ruído, próprio para chamar a atenção, mas acredito que não conseguia acrescentar nem meio HP à potência daquele motor muito fraco que mal chegava aos 1200 cc de cilindrada.

Notando um certo nervosismo meu antes da largada e como eu estava na ocasião pilotando um VW, certamente ao ver-me naquela meia alteração o Sr.teu pai houve por bem, e acertou, dentro de seu cavalheirismo e de sua tranqüilidade, passa-me algumas sugestões de pilotagem e até de mecânica para melhorar o desempenho da fusqueta. Comentei com ele que o desempenho ia bem até engatar a 4ª marcha( devia ser longa demais, para mais de metro) e daí para frente era um sacrifício para levantar o giro; como em um piscar de olhos o Sr. teu pai saiu rápido e voltou com um par de rodas com pneus mais curtos e pouca borracha e ajudou-me a colocar na tração. O gesto, como não poderia deixar de ser, gerou em mim uma enorme admiração por ele.

Para piorar o nervosismo, além de ser o último do grid, quando o Nestor Brunelli deu a bandeirada de largada, "São Pedro" resolveu abrir as comportas d'água do céu e despejou uma barbaridade de chuva na pista; e aí foi um "Deus nos acuda" não somente para mim. Percorri, lógico, em último, a enorme reta logo após a largada até a primeira esquina( curva de 90º) sob um fechado spray de água produzido pelos carros mais velozes que o meu( aliás, todos); ao me aproximar da dita esquina notei pelo menos uns 10 competidores amontoados em cima da calçada ou mesmo espalhados, naquilo que tinha sido um "chega junto" em que ninguém cedeu. Passei por eles, feliz da vida que já não era mais o último; não durou muito minha alegria! Aqueles que puderam voltar a correr, pareceu que se arrumaram e saíram todos juntos de volta à pista: não demorou muito para chegarem em mim e eram tantos e vinham tão juntos que não havia espaço para todos no meu retrovisor........... pensei comigo: " o que é que o filho da Da. Marietta(minha mãe) estava fazendo ali, naquele momento???". Não me apavorei; consegui um espaço para deixa-los passar e continuei minha corrida, tendo na cabeça as generosas instruções recebidas do Sr. Dreux. Como disse, a vontade de competir era muito forte; terminei a corrida e fui agradecer e devolver as rodas e pneus emprestados.

A partir daquela corrida e por mais quase duas décadas de sucessos ou não eu estive no automobilismo de competição, sempre tendo em mente os fundamentos de pilotagem que um cidadão generosamente me passou naquele longínquo 1960 na cidade de Taquara.

Jorge: te contei esta longa e até hilariante história para deixar registrado o que já sabes: o forte caráter e a disposição de um cidadão chamado Haroldo Dreux, que se dispôs a ajudar-me, mesmo sabendo que meu carro era ruim e sem chances de uma boa corrida. Fica aqui registrado, uma história que certamente desconhecias.

Um grande abraço a todos.
Roberto Giordani."

Abaixo aparece o VW Porsche em frente à carretera #24, durante largada da prova 500 km de Porto Alegre em 1958.

9 comentários:

carlos giacomello disse...

queria muito ter o prazer de conhecer o roberto giordani.deve ser maravilhoso ter podido participar do automobilismo gaucho no seu inicio, junto com minha referencia(aristides bertuol). fiquei mais fã dele depois do e-mail que ele enviou a zero hora respeito de uma matéria muito mal feita sobre o barrichello.pelo texto que ele escreveu ele foi, com certeza, um grande piloto, que sabe dar valor a quem tem valor.

luiz borgmann disse...

Ainda tenho em alguma revista antiga (me parece uma 4R) em que aparece o carro construido pelo Haroldo Dreux, mecânica VW, desenho similar aos Porsche 356, fez o maior sucesso na época, mmas me parece que ficou em uma unidade sómente. O Haroldo Dreux fez parceria em algumas corridas com Aldo Costa com VW-Porsche, seguindo os passos do Fusca com motor Porsche que havia assombrado as carreteras em uma das primeiras Mil Milhas em SP. Escutei algumas histórias marcantes do piloto por seus contemporâneos, seus conhecimentos mecânicos, sua trajetória profissional até o seu falecimento precoce. Não se conhece fotos deste piloto em ação, talvez essa do blog seja uma das raras em que ele aparece.
luiz borgmann

Fernando esbroglio disse...

Além do filho, naturalmente, quem mais conheceu o Haroldo Dreux foi o Raymundo Castro, engenheiro, piloto e trabalhou com Haroldo na construção do Porsche que imitava o 914 e do motor, que nunca roncou, e seria um 8 cilindros opostos e refrigerado a ar. Convidem o Raymundo e saberão mais.
Abraços. Fernando Esbroglio

Roberto Giordani disse...

Boa noite Carlos Giacomello!
Agradeço a generosidade das tuas palavras ao qualificar-me como um bom piloto; será igualmente um prazer um dia poder falar contigo.
Estamos amadurecendo uma idéia com o Sanco para um dia podermos reunir os blogueiros do Sanco com os Jurássicos, com estes últimos a disposição para as perguntas que deverão ser muitas; o principal problema é termos um local adequado e escolher uma data.
Realmente, os anos 50, 60 e 70 estes últimos já com dois Autódromos no RGS foram pródigos no aparecimento de pilotos; tens como referência( Aristides Bertuol )um fantástico piloto e um correto cidadão; parabéns pela escolha.
Quanto ao artigo a respeito do Rubens se fez necessário pois todos nós que conhecemos o que é a Fórmula 1 sabemos o amontoado de estultices que alguns jornalistas escrevem e falam, por nada conhecerem dos fatos e ainda copiam opiniões de desequilibrados como dos mintegrantes do Casseta e Planeta e do "purgante" que é Jô Soares.
Precisava somente o Rubens parar com esta bobagem de "sambadinha" e de falar da Ferrari, mesmo que em alguns pontos tenha razão ..."cabrito bom não berra, chia.....".
È isto aí: vamos continuar a falar por este maravilhoso blog que o Sanco nos brindou.
Roberto Giordani.

Roberto Giordani. disse...

Boa noite Luiz Bormann!
O Sanco já deve estar de posse de duas fotos obtidas recentemente desta viatura projetada e construída pelo Eng. Haroldo Dreux.
Um grande abraço.
Roberto Giordani.

Rui Amaral Lemos Junior disse...

Parabens , texto antológico . Quem assistiu a corrida diz que ele largou forte no meio daqueles gigantes . Gostei muito do comentário do Sr Giordani " o bom cabrito não berra ".
Abraços

Carlos Giacomello disse...

quando tivermos oportunidade, certamente estarei presente para conversarmos sobre o automobilismo que deu origem a minha paixão pelas corridas. apesar de não chegar aos pés de todos daquela época, consegui realização participando nos ultimos 10 anos do gaúcho de endurance com um escort, conquistando dois campeonatos e vários vice. grato pela resposta. até breve

Leandro Sanco disse...

Giordani e demais amigos. Vamos pensar em algum encontro festivo para o final do ano, tentando reunir todos os amigos feitos através desse espaço.

Vamos conversar sobre isso em breve.

Grande abraço.

Sabrina Petrillo disse...

FIquei muito emocionada al ler este texto, nao so pela historia, mas por ler os nomes do meu padrinho, Laurinho e do meu tio, Renato Petrillo. Parabens por tudo. abracos. Sabrina Petrillo