Ainda em 1981...
Não poderia deixar de registrar que surpreende a atitude do Antônio Freire em relação ao Blog. Jamais imaginaria que personagens tão ilustres e marcantes da história do automobilismo gaúcho tivessem o despreendimento para ajudar nas pesquisas, na busca por fatos marcantes e por imagens que registraram a história. O "Janjão" voltou no tempo e nos trouxe mais uma história impressionante para mostrar, que nós, meros espectadores, não tínhamos a noção do que acontecia dentro das pistas, da comunicação entre os pilotos em pleno limite da velocidade dos carros, da malandragem e da provocação.
Quem gostou daquela história da corrida de Interlagos na chuva, não pode perder essa. É uma das mais vivas lembranças de uma batalha. Apertem o cinto e pé na tábua, mas não esqueçam de usar os espelhos!
Que as corridas de Fiat haviam se transformado numa guerra em 1981 todo mundo já percebia. Os custos de manutenção dos veículos danificados pelas batidas, o risco da integridade física dos pilotos, começava a levar a disputadíssima Copa Fiat ao esvaziamento do número de participantes. Dos iniciais quase quarenta carros inscritos de seus primeiros anos, restavam agora menos do que vinte carros por etapa. Os dirigentes não sabiam mais o que fazer para coibir a pancadaria. Penalizações começavam a ser distribuídas a rodo aos pilotos pelos dirigentes como último recurso para evitar o pior. A Fiat, patrocinadora do evento, vivia um drama, ao mesmo tempo que se beneficiava pela repercussão na mídia e com a lotação dos autódromos que seus “gladiadores” proporcionavam, começava a ver a sua categoria se esvaziar por falta de combatentes com coragem e recursos financeiros para fazerem frente a esta crescente violência.
A polarização entre duas equipes sobreviventes era evidente. De um lado a numerosa e forte equipe Milano de São Paulo, onde suas estrelas eram os excelentes pilotos Áttila Sipos e Luis Otávio Paternostro e a gaúcha Jardim Itália de "Janjão" Freire e Renato Conill.
Os acontecimentos ocorridos na segunda etapa do Campeonato Paulista de Fiat 147, realizada em Interlagos no dia 22 de Junho de 1981, foram emblemáticos e, para alguns, marcou o início do fim da mais disputada categoria do automobilismo brasileiro dos anos 70 e 80. "Janjão" Freire conta assim o que foi aquela batalha:
“Nossa participação no Campeonato Paulista de Fiat atendia mais a interesses estratégicos e políticos da revenda Jardim Itália frente à Fiat do que meramente esportivos. Evidentemente a presença de gaúchos num campeonato paulista acirrava mais a rivalidade entre os seus participantes. Esta rivalidade era expressa de forma sutil na maioria das vezes ou acintosamente como conto agora: eu me preparava para largar da pole position seguido do Áttila, Pater, Conill, Alexandre Negrão, Rogério dos Santos e José Romano Coelho (destes, apenas Conill e eu não éramos paulistas) quando alguém bateu no vidro do meu carro. Era um mecânico da Milano e o recado foi curto e grosso: "o Áttila, ali ao lado, mandou te avisar que se tu andares na frente dele ele vai te detonar!” Olhei para o carro do Áttila e ele, dentro, parecia me olhar. Até hoje não sei se o "Alemão" estava por trás daquela mensagem ou não, mas na hora ela valeu para uma decisão que tomaria minutos depois, durante a competição.
Demos a largada e já no retão um “trensinho branco” passou lotado por mim. Eram uns quatro ou cinco carros da Milano, um empurrando o outro, que unidos me deixaram na freada da curva 3 em sexto lugar. Em menos de um quilômetro eu saíra do primeiro lugar para a sexta colocação! Durante a volta fui me metendo entre eles completando o primeira giro em terceiro, atrás do Áttila e do Paternostro. O Conill começava a sofrer as consequências de um problema mecânico que tivera na volta de apresentação e ficou para trás.
Na segunda volta eu já estava lá, sozinho, peleando com os “brancos”. Éramos um grupo compacto de cinco carros e a pancadaria corria solta. Ficamos assim umas dez voltas até que decidi: tinha que sair daquele bolo, ou a coisa ia acabar mal para mim. Escolhi quem estava na minha frente, o Áttila, e no meio do retão, embutido na sua traseira fiz um sinal para ele com os dedos: "nós dois, prá frente!" Para minha surpresa ele respondeu com um polegar para cima e um sinal típico usado na categoria: com o punho cerrado, como se esmurrando uma porta, sinalizava, "me bate, me empurra", talvez confiando que eu não me atreveria a passá-lo, conforme o recado que seu mecânico me tinha dado na hora da largada. Não foi preciso pedir muito, fui empurrando o carro dele, reta a reta, curva a curva, sem tentar ultrapassá-lo, até chegarmos na última volta alguns metros a frente dos demais do grupo. Passamos na frente dos boxes muito próximos, fizemos a curva 1 e 2 grudados e no meio da retão tirei meu carro do vácuo, botei do lado dele, ele me olhou incrédulo (tudo isso a uns 150/160 por hora!) e eu fiz um sinalzinho para ele: "entra atrás!" Botei meu carro na frente do dele na freada da curva 3, caprichei o que pude, abri uns dois metros de distância, olhei pelo espelhinho e ele parecia espumar para fora do capacete, como quem dissesse: "o que este cara está pensando, não ouviu o meu recado?". Fiz outro sinal para ele, agora desafiando: "me bate agora, quero ver!" Caprichei cada curva como nunca tinha feito na minha vida, o metrinho entre o carro dele e o meu se manteve, abri um pouquinho mais no Pinheirinho, entrei na Junção, uns 4 ou 5 metros na frente e olhei para trás achando que a corrida estava ganha.
Minha estratégia tinha funcionado mas por esta eu não esperava: o trensinho tinha se formado de novo! Ao perder o meu vácuo o carro do Áttila fora alcançado pelos demais carros da Milano e lá vinham eles, embutidos, para me roubar a vitória nos últimos metros, na subida dos boxes! Eles comeram a distância que eu abrira do Áttila em segundos e a ultrapassagem era eminente. Eles pareciam tão mais velozes juntos que senti que tudo estava perdido. Eles cresciam nos meus espelhos retrovisores, iam tirar de trás de mim quando no desespero usei o último recurso que me sobrou: joguei o carro para a direita, numa fração de segundos antes deles, colocando-o exatamente na trajetória que eles iam fazer para me ultrapassar. Levei uma porrada por trás, mas me mantive na frente deles de novo, eles tentaram sair pelo outro lado, eu fiz o mesmo (e tome porrada!) e assim fomos até a bandeirada: eles tentando sair de trás de mim e eu “toureando” eles pelo espelho retrovisor até a quadriculada baixar sobre nós todos de uma só vez!!! A última cena que me lembro destes momentos finais foi de ter olhado pelos retrovisores e ver pedaços de minhas sinaleiras voando para tudo que é lado e um dos pilotos dos "brancos" quase sentado no banco traseiro do meu fiatzinho, espumando de raiva!
Voltamos aos boxes, na volta de desaceleração eles passaram por mim voando em formação, não vi nenhum cumprimento ou ato de cortesia. Depois, mais tarde, soube que eles quase se pegaram nos boxes, o Áttila quase foi linchado, sendo acusado pelos seus companheiros de ter se deixado usar por aquele "gaúcho f.d.p".
Infelizmente, todo este esforço valeu muito pouco: os dirigentes paulistas penalizaram os quatro primeiros por conduta anti desportiva (leia-se empurrões, batidas ,etc) e deram o primeiro lugar para o Coelho (da Milano) que chegou em 5º. Um absurdo, evidentemente, ele, como todos daquele grupo, deram e receberam porradas. Ele foi apenas o menos competente neste quesito: ficou em quinto, desgarrado dos demais.
Não adiantou muito o choro, a corrida terminou assim, mas marcou, no meu entender, o golpe mortal, na categoria. A partir daí o fator extra pista esteve sempre presente, dirigentes interferindo a torto e a direito (com a melhor das intenções, acredito, mas sujeito aos erros humanos intencionais ou não) e os campeonatos viraram cenário de grandes polêmicas jurídicas que ofuscaram o brilho de seus campeões”.
Essa história, além de outras ocorridas ao longo daquele ano teria como consequência o fim da equipe Jardim Itália, que já no final de 1980 demonstrava interesse em se retirar das competições, mas que prorrogara o programa por mais um ano. Na metade de 1981 a equipe quase foi fechada, devido a diversos atritos, mas principalmente pela falta de critérios de penalização por parte dos diretores de prova. Nascida no final de 1978 com o intuito de participar das duas etapas do primeiro campeonato brasileiro, em Goiânia e Brasília, foi sem dúvida, uma das equipes que mais investiu no automobilismo gaúcho e brasileiro, a ponto de incentivar uma das mais antigas rivalidades do esporte, a briga entre gaúchos e paulistas.
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6 comentários:
ae sanco,
conheço muitos "personagens tão ilustres e marcantes da história do automobilismo gaúcho" que acessam o blog diariamente. atualmente, o blog é assunto frequente nos box de autódromos gauchos.
quanto a história do janjão é, sem sombra de dúvida, muito emocionante. lembro de que a rivalidade de gauchos e paulistas naquela época era muito parecida com a de brasileiros e argentinos no futebol hoje em dia.
é ausente no automobilismo atual uma categoria no nível do nosso marcas e pilotos, em certame nacional. dizem, que haverá um brasileiro de marcas nos mesmos moldes do gaucho. será sensacional. certamente poderá relembrar disputas da época de janjão e connil, contra o resto do país.
abraços
Sensacional o causo, parabéns ao Janjão e ao Sanco por trazerem essas recordações de volta.
Se eu fosse Papai Noel em 82 dava de natal para o Janjão um carro e uma vaga na Nascar...
Correndo omo os Fiat faziam na época, chegaram a competião com maior publico e mais milionária do planeta!
Abraços Janjão, e ainda continuamos na luta.
Marco Queiroz - Sprint
402m
GSXDragRace
Grande Janjão!
Para mim uma grata 'marca' no automobilismo gaúcho!
E matador!
Um abraço para ele e sua fiel escudeira Tânia!
Que estória...
Dá para ver as caixinhas descendo o retão (quando era retão mesmo)embutidas umas nas outras.
E onde estava o Sipos, estava confusão, sacanagem....
Abraços a todos,
Tohmé
São Paulo
É pessoal. Os Fiats deixaram saudades de Norte a Sul.
Abraços a todos.
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