Aqui no blog muita gente já contou algum "causo" que se passou por lá. Escolhi um que acho sensacional, contado pelo seu próprio protagonista, Antônio João Freire. A história foi publicada no dia 20 de Agosto de 2008. Vale a pena ler de novo.
"A última prova do Campeonato Brasileiro de Fiat de 1980, em Interlagos, debaixo da maior chuva, foi, talvez, a prova que me deu a maior satisfação entre todas que disputei. Os envolvimentos pré prova já eram bastante emocionais, o campeonato finalizava, o Paternostro liderava e eu, para conquistá-lo, precisava vencer e torcer para que o mesmo não se classificasse entre os nove primeiros colocados. Isto já era quase impossível pela qualidade deste piloto e se tornava ainda mais distante pelo fato da sua equipe, a Milano, alinhar praticamente uma “ esquadrilha “ de carros brancos oficiais e alguns agregados paulistas, naturalmente mais simpáticos aos representantes da casa do que a “esses gaúchos metidos“. Fui, então, para São Paulo pensando em me despedir em grande estilo, percebendo que alguns sinais estavam sendo dados de que a Jardim Itália iria encerrar por ali a sua gloriosa participação nos campeonatos Fiat.
Marcamos a pole position no sábado, com três carros da Milano logo atrás (Áttila, Pater e Coelho), dois cariocas (Telmo Maia e Murilo Pilotto) e mais dois agregados da Milano, Hélio Matheus e Ana Lucia Walker, que colocara tempo em um bando de barbados. No domingo alinhamos com o mesmo acerto do sábado, torcendo que a chuva não viesse. Esta decisão se mostrou um erro. Pater sumiu na frente e eu lutei ferozmente para me manter na pista, já que o meu carro, com a suspensão dura, estava quase inguiável. Por sorte o Áttila se enredou nas telas de proteção da curva do Sargento (quanto a este fato, um detalhe curioso: quando a chuva começou forte antes da largada, o alemão, como era o seu estilo, veio no nosso box fazer um pouco de pressão: “agora é que vamos ver quem é piloto ou não. Vocês sabem: a chuva separa as homens das crianças“). Confesso que ao passar por ele naquela curva e vê-lo, todo atrapalhado e molhado, tentando desenredar o seu carro, debaixo daquele toró, quase parei para dar uma gozada nele. Ali estava um “adulto” em maus lençóis, enquanto as “crianças” continuavam brincando debaixo da chuva ... Mas, a situação estava tão preta que mandava a prudência deixar a gozação para depois e torcer que a primeira bateria acabasse logo. Cheguei em terceiro a nove segundos do Pater, o que representava uma enormidade em termos de tempo.
No intervalo de uma bateria para outra resolvemos fazer uma mudança radical na suspensão: trocamos os amortecedores por outros bem moles, as quatro rodas, que tinham um descentramento diferente do que as que todo mundo usava, foram substituídas, e diminuímos a pressão dos pneus pela metade. Enquanto estávamos ali naquele afã, correndo contra o tempo para colocar o carro em condições para a segunda bateria, recebemos a visitinha agradável do Pater e demais pilotos da Milano que, no mesmo tom do Áttila, vieram questionar o “chapéu” que nós tínhamos levado na chuva. Não faltou dizer que na chuva os motores do Clóvis de Moraes e do Mario Rambo não tinham como nos ajudar. Na chuva era o piloto que fazia a diferença, blá, blá, blá, blá.
Saí para a segunda bateria com a moral muito baixa, mas a medida que ia fazendo a volta de alinhamento comecei a perceber que algo havia mudado: o carro estava grudado no chão, passava pelas grandes poças d'água como se estivesse no seco, nem parecia o mesmo da primeira bateria. Não era mais um Fiat, era um Galaxie! Cheguei no alinhamento com um sorriso no rosto. Quando o Clóvis e o Mário chegaram na linha da largada e perguntaram como estava o carro, eu lhes disse em alto e bom som: “vou ganhar a corrida, assistam!“. Não deu outra, enquanto os demais pilotos procuravam as partes externas da pista para fugir do acúmulo de água, eu passava por dentro das mesmas de pé embaixo e o carro nem mexia! Fui passando um a um, quando chegou na curva do Sol, só tinha o Pater na minha frente. Ele fez a curva pelo meio da pista, tentando aproveitar a parte mais seca da mesma e deixando a parte interna para mim, na expectativa que eu arriscasse e me desse mal. Meti por dentro, passei como se estivesse no seco e dei bye bye a ele (vejam na foto em anexo, o exato momento da ultrapassagem). Fui colocando mais de um segundo por volta nele, ele saiu do meu retrovisor, foi diminuindo de tamanho, curva a curva, até que eu não consegui mais vê-lo atrás de mim. Eu falava sozinho dentro do carro: “capricha, capricha, capricha “, “acelera, acelera, acelera “ , “a prova é tua“, “quem é criança?" “ACELERA !!!“. Foram 14 segundos que eu devolvi a ele, a prova estava ganha!
O prazer não acabou aí, valeu mais a nova visita deles ao nosso box e a pergunta que fizeram ao Clóvis: “o que tu fez com o carro do Janjão? Mágica? Conta!“. E o Clóvis: “tu sabes, na chuva o piloto...“ e encerrou com um sorrisinho maroto no rosto.
Perdi um campeonato cheio de incidentes e acidentes mas aquela faixa de campeão levou um carimbo gaúcho. Para sempre.
Um abraço,
Janjão"
Parabéns, Interlagos! Quantas alegrias eu mesmo já vivi aí... Vida longa e pé na tábua!
Um comentário:
Isto era automobilismo e pilotos de uma epoca que não volta mais!
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