quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O cavaleiro solitário

Há poucos dias tivemos o lançamento do livro comemorativo aos 30 anos do Rallye Volta da América do Sul, trabalho primoroso que tive a sorte de prestigiar. Foi um feito único, histórico e seus protagonistas recebem agora, o devido reconhecimento do público, dos aficcionados e da mídia.

Outro feito, que infelizmente não tem a mesma repercussão, guardadas as devidas proporções, é claro, também comemora 30 anos agora. Não sei exatamente em que dia, mas isso também não faz muita diferença.

Em 1978, um piloto solitário, radicado aqui no Rio Grande, vencia os melhores esquemas e pilotos e conquistava o título do Campeonato Brasileiro de Fórmula Ford. Seu nome era Amedeo Ferri.

São poucas as informações que tenho a respeito desse "cavaleiro solitário". Para nossa sorte, encontrei um excelente registro no Blog do parceiro Carlos de Paula e tomo a liberdade de transcrevê-lo aqui, para a apreciação de todos.

Amedeo Ferri - Vitória Contra a Maré

Por Carlos de Paula

"Uma coisa não se podia dizer de Amedeo Ferri, que era supersticioso. O piloto nascido na Itália, naquela altura radicado no Brasil há vinte anos, mais precisamente no Rio Grande do Sul, há muito tempo usava sem nenhuma hesitação o número treze, exposto em evidência no seu Bino de Fórmula Ford de carroceria de linhas retilíneas. E em 1978 finalmente provou que a tal superstição em volta do número treze é uma grande besteira: sagrou-se campeão brasileiro de Fórmula Ford, apesar dos pesares.

Naquele ano Amedeo era de longe o mais antigo veterano da categoria, participando das provas há sete anos - muitos dos seus concorrentes eram crianças quando ele iniciara na categoria. Foi o último gaúcho da primeira geração a continuar competindo na categoria. No começo das suas atividades na Fórmula Ford, pouco podia fazer contra equipes bem estruturadas como a Hollywood, Shelton, Motoradio, Brahma e Telefunken, portanto só lhe bastava competir.


Entretanto, com o aumento de prestígio da Fórmula Super-Vê, as grandes equipes e nomes do automobilismo migraram para esta última categoria, deixando o campo livre para concorrentes como Amedeo, que contavam com esquemas mais simples, brilharem. Pois o esquema do gaúcho era assaz simples, quase zero: ele, ele mais ele, com alguma ajuda da esposa Elza. Ele preparava e montava o carro, ele guiava o velho ônibus que o transportava para as corridas, ele consertava e ele pilotava nos domingos.

O ano começara bem para Amedeo, que ganhou as duas primeiras corridas da temporada, inclusive uma raçuda e memorável performance na segunda prova do ano, em Cascavel. Largou em 24° na final, após ter severos problemas nos treinos e na bateria eliminatória, e com muita combatividade bateu todos os concorrentes, que incluíam Maurizio Sandro Sala, Fernando Dias Ribeiro, Alexandre Negrão e os locais Valdir Favarin e Tamoio Fedumenti, este último notável por ter ganho uma corrida com um Aero Willys contra diversos Simcas nos anos 60, fato muito raro. Já na primeira volta da final Amedeo passou em 12°, assumindo a ponta ao ultrapassar o jovem Fernando Dias Ribeiro, irmão de Alex, na 11a. volta das 13 voltas da final. A corrida fora uma grande dor de cabeça para Ferri. A caixa de satélites do seu diferencial quebrou e ele teve que adaptar uma peça para largar na eliminatória. Depois, nessa bateria teve um acidente com Jaime Figueiredo, amassando o peculiar bico do seu carro e furando o radiador. Ainda assim concluiu a bateria com quatro voltas de atraso, após fazer reparos às pressas nos boxes - por conta própria, lógico.

Chegando no Rio de Janeiro, Amedeo era o franco favorito para ganhar o título. Entretanto, o piloto estava extremamente desgastado com a sua realidade esportiva. Ser “one man show” não é fácil, principalmente quando a saúde não está bem. Na longa viagem do Rio Grande para o de Janeiro, Amedeo ficou doente, com muita desidratação, e chegando na Cidade Maravilhosa estava caindo aos pedaços, com febre de quarenta graus.

Assim que naquele que poderia ser o fim de semana mais feliz da carreira do piloto, Amedeo estava nervoso, indisposto, vomitando, sem energia, e completamente atípico. Acostumado com boas posições no grid, Amedeo só marcou o 11° tempo nesta quinta etapa do Campeonato Brasileiro de Fórmula Ford. O único piloto que poderia ameaçar o título de Amedeo era Maurizio Sandro Sala: tinha treze pontos ao chegar no Rio, e se ganhasse as duas últimas corridas, sem que Amedeo pontuasse, Maurizio ganharia o título por um pontinho.

Na corrida, Amedeo chegou a ocupar a quinta posição, mas acabou sendo fechado pelo seu desafeto da primeira corrida, Jaime Figueiredo, e caiu para o oitavo lugar. Na frente, as coisas estavam favorecendo o ítalo-brasileiro: Fernando Dias Ribeiro, que mostrava bastante velocidade desde o começo do ano, de fato, perdera a corrida de Cascavel para Ferri, mas não conseguira ganhar nenhuma prova, liderava a prova à frente de Sala. No final da corrida das 20 voltas, Fernando conseguiu a sua primeira vitória, permanecendo na frente de Sala, que assim, perdia a sua oportunidade de ganhar o título. Quanto a Ferri, chegou em sétimo e ganhou o título por antecipação.

No final, um desabafo. Ferri estava cansado do seu esquema, e dizia que iria abandonar a categoria se não conseguisse uma estrutura mais profissional, como a dos seus concorrentes.

Entre outras coisas, o combativo piloto estava cansado da politicagem tão típica das corridas brasileiras: nessa mesma prova, Maurizio reclamou do carro de Fernando, que após a vistoria foi considerado dentro do regulamento. As corridas da época eram verdadeiros festivais de protestos. Amedeo mesmo já fora alvo de diversas disputas similares fora da pista. Além disso, sem dúvida Jaime Figueiredo não estava na sua lista de pessoas prediletas. Apesar dos pesares, Amedeo continuou na Fórmula Ford, sem, entretanto, repetir o sucesso de 1978..."

13 comentários:

Anônimo disse...

Grande lembrança Leandro!
Se justiça existe, ela se fez presente no dia 5 de novembro de 1978 no Rio de Janeiro quando do campeonato antecipado de Amedeo Ferri.
Ele ganharia ainda a última etapa em Interlagos.
de seis provas ganhou três, foi pole e melhor volta em duas.
foi campeão com 39 pontos seguido pelo vice arthur bragantini com 24.
abraços
Renato Pastro

roger disse...

Um Leão!
-Este gringo dava trabalho!

Leandro Sanco disse...

Como puderam ver, o Mestre Renato Pastro não domina apenas os números do Rallye...

Anônimo disse...

Essa foto do Amedeo aí no blog mostra o carro do campeonato, a carenagem de aluminio feita pelo próprio. Vê-se também o nome da INPEL, que ajudou o Amedeo produzindo algumas engrenagens nos CNCs para substituir aquelas do câmbio Hewland quebrado, e o patrocinio dos relógios Yema. Acho que este foi o último dos motores 1.44 (?), no ano seguinte viriam os 1.6 e muitos pilotos deixariam de competir pelo custo na aquisição dos novos motores. O Amedeo com sua capacidade aprendeu a técnica de preparação e passou a meter a mão ele mesmo. O Amedeo ainda participou de algumas provas na temporada seguinte, mas depois vendeu o seu acervo para um piloto local. Ainda lembro do Amedeo na Vespa quando ele era vendedor na Olivetti(?), depois no Gordini Teimoso, o Dodge Charger...As corridas começaram no bondinho, no Ipanema, que não existe mais. Hoje às vezes ainda vejo o Amedeo, de pastinha na mão,batalhando...O Amedeo deve ter um acervo muito grande para mostrar aos internautas. Estimamos melhoras para sua esposa Elza.
luiz borgmann

Leandro Sanco disse...

Depois desse relato do Luiz Borgmann, outro mestre, fica aqui o pedido: quem tiver um contato do Amedeo e puder informar, a gente agradece. O cara deve ter muita coisa boa pra mostrar...

Paulo Schütz disse...

Até onde eu sei, ele continua proprietário do restaurante "Camaleão", em Ipanema...

Anônimo disse...

Acho que uma das principais caracteristicas do Amedeo na F-Ford (além da capacidade como piloto e preparador) foi a de ter usado sempre o n° 13. Nos USA, o pessoal não o utiliza por motivos óbvios. Ele competiu mais tarde, anos anos 90 no Marcas gaúcho, com outros numerais. Alguém lembra de outro piloto que usou por tanto tempo o 13? O desafeto do Amedeo em muitas provas de F-Ford, Jayme Figueiredo, que tinha o carro preparado pelo Clóvis, disse certa vez: o italiano não admite que alguém freie depois dele...coisas de corrida. No site do restaurante, o Amedeo aparece sentado à mesa. Parece que ele vendeu o restaurante devido a gravidade da doença da esposa.
luiz borgmann

Leandro Sanco disse...

Tem um relato de - se não me engano - 88, quando ele andou no Chevette do Diko, #60. Numa prova em Guaporé ele faria o segundo turno. Feita a troca de pilotos, já no que deveria ser a pimeira passagem dele, acabou entrando no box, desceu do carro dizendo que o mesmo não tinha freio, que o outro piloto era maluco, pegou as coisas dele e foi embora...

Paulo Schütz disse...

Amedeo andou algumas provas de chevette com o Rogério Dias, me parece que andou em 12 Horas de Uno, acho que com o Eduardo Fagundes.

Anônimo disse...

Alguns também chamavam Ferri de "Velho guerreiro".

Anônimo disse...

Alguns também chamavam Ferri de "Velho guerreiro".

Anônimo disse...

O Amedeo Ferri andou uma prova de Uno em Guaporé em 1988, junto com o Eduardo Fagundes e o Evaldo Quadrado.

Fernando J. Onofrio disse...

Sanco o Amedeo foi um bravo. Pela coragem que tinha e a expe-riência adquirida certamente se-ria, como de fato o foi, um cam-peão da FF. Frequentei muito seu estabelecimento comercial em Ipa-nema o Bondinho. Tanto lá, como nos autódromos, conversávamos muito sobre corridas e carros.Ele e sua esposa Elza deram exemplos de persistência, competência e amor ao automobilismo. Sinto muita falta daqueles bons tempos. Um abraço a eles.

Fernando Jacques Onofrio