Almoço na companhia dos amigos. O papo vai longe. Na mesa estava a turma com a camisa do Speed Channel. O tiozinho do restaurante pergunta se eles são do Curva do S. O Guilherme que veio de Minas (e acelerou também) confirma. O tiozinho fica muito faceiro e diz que assinou a TV a cabo só por causa do canal. Legal aquele encontro. Aquela turma significava muito para o tiozinho e sua família. O que estava acontecendo no autódromo significava muito para todos nós.
Voltamos para o autódromo e os carros já estavam na pista novamente. Na chegada vejo o Joca se divertindo no Espron. Algumas baixas pela manhã diminuíram o número de relíquias. O Ômega teve problemas com o radiador ou as mangueiras, se não estou enganado. O Polar, ainda em fase de acerto, deu poucas voltas com o Jan pela manhã e logo encostou. Se eu pudesse andar nos demais seria ótimo, mas o meu divertimento aquela altura era assistir aos amigos entrando e saindo dos carros como se estivessem cruzando o limite com uma outra dimensão. Era um negócio maluco e o Paulo incansável, dando orientação para todos, com o Marcos e sua turma de fé sempre no apoio.
A adrenalina já tinha baixado, o tempo tinha passado, já estávamos no meio da tarde. A ansiedade há muito tinha ficado para trás. Ali só havia paz, alegria, bons fluidos. Seria ótimo poder fazer isso mais vezes, penso.
Daí o amigo Belair chega para mim e pergunta: "Sanco, cê já andou no Aldee?" Eu não tinha andado e rapidamente me acomodei dentro da barata, com a ajuda do próprio Belair nas instruções. Ligo a geral, bomba #1, ignição. O motor pega fácil, vamos ver o câmbio, VW, então esse vai ser legal.
Naquele momento eu sentava no carro que - sem exagero - foi o responsável pelo retorno dos construtores de protótipos que há tempos estavam inativos no país. Me lembro que quando abri a revista Auto Esporte #300 que trazia a cobertura das Mil Milhas de 1990 e ví a foto daquele carro, não tinha ideia do que estava por vir. O Almir Donato, construtor do carro, participou daquela Mil Milhas e acabou vencendo na categoria até 1600 cc, chegando em quinto na classificação geral. Logo depois veio a ideia de fazer uma evolução do modelo, já com estrutura tubular. O carrinho continuava obtendo sucesso em competições de Endurance e em cerca de quatro anos já tinha conquistado o país. Me lembro também das 12 Horas de Tarumã de 1994, quando dois Aldee foram trazidos de São Paulo. A comprovação do sucesso era evidente. Um deles foi o pole position, o outro venceu a corrida. Os Aldee haviam caído no gosto de pilotos, equipes e público. As provas de longa duração voltavam a incluir uma categoria para Protótipos/ Força Livre, outros construtores começavam a tirar da gaveta projetos há muito guardados. No Rio Grande do Sul, destaque para o protótipo construído por Paulo Barreto (atualmente pertencendo ao acervo do Museu), vencedor de várias provas, o MC Tubarão começava a tomar forma. Mais tarde o MCR entrava nas pistas para concorrer com a nova geração dos Aldee, os Spyders. Hoje são inúmeros protótipos competindo e mais outros tantos sendo construídos. O automobilismo brasileiro mudou, tudo isso graças a esse carro que eu começava a acelerar.
Até então eu havia guiado o JQ Reynard, o Fitti-Vê e o Kaimann F-Fiat. Esse era o primeiro carro fechado. O capacete encosta no teto, me acomodo um pouco mais para baixo. O ronco do motor reverbera dentro do habitáculo, o conta giros tem a luz que avisa quando estamos no limite, fixado em 5000 rpm. Pneus slick da Michelin. São bem largos. O carro é bem estável, mesmo com a traseira leve. Motor e tração estão na dianteira. Primeira volta lenta, mas não demora para perceber que a brincadeira será das boas. O câmbio VW sempre foi o meu preferido, testo a terceira, quarta e quinta para ver se entra como espero. Perfeito. A adrenalina volta rápido, a empolgação idem. Esse carro é uma delícia.
Curva da Vitória, a luz do giro acende, estamos em 5000 rpm, a quarta entra rápido, como esperado, no meio da reta, a luz acena de novo, vamos em quarta, sem exigir muito para ver como é o freio. É duro. Lembro do kart e das primeiras recomendações que o Sr. Moretti me dava: "não freia dobrando!!!" Mas estou rápido e tenho de continuar com o pé no pedal ainda duro na entrada da curva. Hmmm, o carro parece melhor que o JQ Reynard nas curvas. Claro que é só impressão, pois o monoposto foi construído exclusivamente para competição. Esse aqui é um Gol modificado. Mas que trabalho bem feito do Almir! Já na segunda volta, a curva 2 passa rápido e a retomada é um tiro, olha só, ainda não tinha passado na zebra de fora, uau!!! Já fiz amizade com o câmbio, com o freio, com as zebras, está tudo em casa. Saída da curva do túnel e mais uma lembrança de Guaporé: na primeira vez que vim aqui, em Novembro de 1990, assisti a três provas de uma mesma programação, a Fórmula Ford regional, a Fórmula 3 Sulamericana (o Barrichello retornava da Europa e correu aquela) e o Gaúcho de Marcas, que fez uma prova noturna. Me lembro direitinho que havia alguns carros com quatro e outros com cinco marchas. Os com quarta (longa) cambiavam no meio da retinha antes do Radiador. Os com quinta, colocavam a quarta logo na saída da zebra e a quinta já na tangência do Radiador. Da posição que eu estava eu conseguia ver exatamente os movimentos dos pilotos dentro dos carros. Era um barato. Agora era eu que estava alí. Não havia ninguém do lado de fora - ainda bem - e eu tentei fazer o mesmo, bem rápido. Saída da zebra, luz do giro, quarta, esse motor é uma bala, luz de novo e lá vai a quinta, e... não, TERCEIRA!!!!!! Putz, que cagada. Olho no espelho, ninguém atrás como testemunha. Passo lento pela reta do box, aguardando a placa dizendo alguma coisa tipo BRAÇO DURO, MÃO-DE-PAU (lembrei do meu amigo Lambe-Lambe), mas tudo estava em ordem. Vamos com mais cuidado dessa vez. Ainda não foi agora que enfiei a quinta na reta e o motor 2.0 já começa a perder a paciência comigo. Frenagem forte, a curva 2 é feita rápido e a zebra de fora é visitada novamente. Esse negócio está ficando sério. Ai ai ai...
Eu não estava ali para testar limites. Ninguém estava. O objetivo era diversão, praticar a história do automobilismo ao lado de pessoas que, sem esperar nada em troca, se dedicam a isso, mas o motor, mesmo em quinta - que entrou direitinho - gritava alto na entrada do Radiador e eu pensando: será que dá para fazer flat? Por algumas voltas eu me fiz essa pergunta. A velocidade era alta, esse carro deve chegar fácil nos 190, 200 km/h no final do retão. Era irresistível, mas uma rápida aliviada no acelerador na entrada da curva me deixou mais seguro. Mesmo assim o contorno é rápido e a freada é forte para entrar no S. As freadas ficaram mais fortes a cada volta. No final da reta, mesmo em quinta marcha, a luz do giro já vinha acesa. Os braços indicavam que aquela experiência não era mais brincadeira. O carro está muito bem acertado, ele poderia facilmente participar das provas da Endurance. Que coisa de louco! Essa é a última volta. Que pena... Acho que encerro aqui a minha participação dentro da pista. As nuvens escuras já estão sobre Guaporé. Já dá para ver uns pingos caindo.
Chego no box realizado e ao descer do carro, o Paulo pede que eu dê um depoimento ao Speed Channel que nos acompanhou o dia todo. O Mosquetta, um gente boa que começou filmando casamentos e agora é O CARA das filmagens do esporte a motor aqui no RS, me diz para falar meu nome e o nome do blog. Foi difícil até dizer meu próprio nome. Eu estava meio que engasgado na própria alegria. Ele perguntou o que significava aquele encontro e aí eu começei a falar.
Quando a gente está emocionado, fala bobagem, exagera, mas não tinha como não ser assim. Lembrei de quando eu era um piá e das corridas daquela época e de como as lembranças mais remotas da minha vida se confundem com os carros, os pilotos, as corridas. Quando é que eu iria imaginar que poderia voltar no tempo e ver uma baratinha daquelas andando comigo ao voltante? Nem em sonho, meu amigo. Nem em sonho.
A chuva vem cumprimentar a todos. Não havia ninguém sem um grande sorriso no rosto. O grupo se reune para uma foto. Continuava chovendo, mas ninguém se importava. O Paulo ganha um merecido e longo aplauso por tudo o que ele faz em prol dessa paixão em comum de todos nós. Voltamos para Passo Fundo, mas antes fui fazer uma visita que em todas as vezes que estive em Guaporé adiei. A gente sempre saia do autódromo cansado, querendo voltar logo e a visita ao Cristo Redentor era sempre adiada. Mas dessa vez, não teve desculpa. O Anselmo me acompanhou. Lá do alto é possível ver a cidade toda. Um agradecimento por tudo que vivemos nesse final de semana é o mínimo que posso fazer. A gente volta conversando, não acreditando no que tinhamos feito. Se desse, a gente não saia mais do autódromo.
11 comentários:
Sanco, seu depoimento foi sensacional. Você com a sua juventude e entusiasmo emocionou a todos que estavam proximos, um momento mágico que encaminou de forma fantastica o final das nossas atividades, naquela tarde, em Guaporé. Pude ver o quanto o Paulo ficou emocionado com o seu depoimento. Baixei o resto das fotos do segundo dia: amigos, baixei o resto das fotos do segundo dia: http://www.fnva.com.br/viewtopic.php?f=19&t=18873 ... em breve, fotos 'comprometoras' que tirei durante o churrasco ... haha
SANCO pelo relatos dos participantes no evento, o seu depoimento foi com muita emoção e agradecimento ao TREVISAN pelos momentos ali vividos. Um grande abraço amigo e na próxima estaremos juntos novamente.
Sanco,
Show de bola!
Tenho acompanhado sempre o blog, mas tenho comentado pouco. Ao ler o teu relato não pude deixar de relembrar que minhas primeiras voltas em um carro de corrida foram exatamente em um Aldee, aquele n° 10, do meu velho e do Soldan, e coincidentemente em Guaporé, logo após terminar a escola de pilotagem.
Me emmocionei com teu relato, pois me identifiquei com a situação !
Parabéns ! Tu é merecedor !
Grande abraço,
Rodrigo Ribas
Escreve tão bem quanto fala.Eita cabra bão,sô...
Sensacional relato, Leandro!
Os teus textos estão cada vez melhores, e a tua entrevista foi antológica.
Desde já deixo aqui a certeza de que eu chorarei quando a dita cuja for ao ar, assim como você, o Paulo Trevisan, o Cerega, o Belair... A turma toda vai se emocionar com as suas palavras.
Abração
Cara bom de texto, bom de conteúdo, bom de discurso emocional e coerente, bom de papo. Meio braço duro mas quem não é?
Cê não tem defeito não?
Leitura agradavel fluída, uma delícia.
Abração.
Sanco.
Excelente e emocionante teu relato. Só quem esteve lá para entender melhor tua emoção. Bem que gostaria de estar com vocês, nestes dias maravilhosos Não só a turma, mas o automobilismo brasileiro, mais ainda, devem ao Trevisan as emoções e a conservação dos bólidos do passado.
Um abraço.
Fernando Jacques Onofrio
Meu filho!realmente você é merecedor de tudo que aconteceu neste encontro,você fez as amizades certas,você estava no lugar certo.Confesso que lembrei do tempo que eu e o teu Pai levava você para treinar em Tarumã,tendo como grande incentivador o teu Pai e o Sr.Moretti,eles davam os toques e regulagem no motor,você empolgado suava e era o pé no fundo para não deixar morrer o motor,fazer as curvas no momento certo,reduzir...enfim você hoje chegou em um momento de grande realisação,mas sempre aprendendo,vá sempre em frente meu filho plantando e colhendo os bons frutos as (AMIZADES)e tendo a oportunidade de agradecer ao Pai Maior(Deus)como você fez indo até a imagem do CRISTO.Muito obrigado meu filho,que Deus abençoe a você e suas grandes amizades.
Agradeço a Deus por você ser um exemplo de ser humano do bem e ser o nosso filho.
Teus pais José e Neusa
Mas báh Sanco, tô babando até agora com o teu relato na conduzida do Aldee. Parabéns. Eu também concordo que este tipo de evento deveria acontecer com maior frequência.O Paulo Trevisan também merece todas as honras por esta iniciativa.
Sanco,
Mesmo com atraso, faço coro com os comentários dos demais blogueiros. Teu depoimento foi vibrante, emocionante mesmo. Ninguém faria melhor, tocou a todos que tiveram o privilégio de assitir à gravação.
Obrigado à menção ao meu nome e a foto, mas não sei tanto assim. Sou apenas um contador de velhas histórias.
Grande e fraterno abraço,
Sanco excelente descrição !
Não vejo a hora de ver a tua entrevista no Speed channel (até troquei de provedor de TV a cabo, para ter estes canal), já que eu não a presenciei no autodromo.
Eu também adorei guiar o aldee, o carro é uma delicia mesmo.
Abraço
Antonio
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