Desde aquelas duas provas em 1982 no Gaúcho de 147 que "Janjão" não acelerava. Estava definitivamente afastado do automobilismo, ainda trabalhando na Taurus. Entretanto, em 1984 um fato relevante aconteceu. Mais uma vez deixo para ele mesmo contar essa. Não deixem de ler.
"A Fiat, que tinha se retirado oficialmente das competições, extinguindo a sua categoria monomarca, a Copa Fiat 147, que tanto retorno lhe deu, anunciou a sua volta, agora no novo Campeonato Brasileiro de Marcas que atraía a atenção dos aficcionados e começava a ocupar grandes espaços na mídia. E voltava em grande estilo, oferecendo mundos e fundos para quem defendesse suas cores, inclusive com altas ofertas em dinheiro. Buscava principalmente os nomes do passado recente e do presente que ainda tinham uma forte associação com sua marca.
O chamariz maior para as suas fileiras era nada mais nada menos do que o Emerson Fittipaldi que pilotaria um dos Oggi oficial da fábrica junto com seu irmão Wilsinho. Aqui no sul , entre outros, o nome do Renato Conill, que ainda estava em atividade, e o meu foram lembrados. O problema é que eu tinha jurado ao presidente da Taurus que nuuuuunca mais iria correr, pelo menos se quisesse continuar trabalhando lá. Esta condição já tinha sido colocada por ele quando fui contratado para a empresa em 1982 mas, por insistência minha, ele havia permitido que eu corresse aquelas duas provas com a equipe do Paulo Jacometti, “desde que ficasse longe dos carros de nossa equipe”, que era então o Conill e o Jackson Lembert.
Todos sabem que não foi isso que aconteceu, naquele rolo coletivo da curva dois. Eu me choquei com o Jackson, saímos fora da pista e quase levamos o Conill também! Melei, involuntariamente, o resultado da Equipe Taurus e a minha barra pesou ao extremo na segunda feira quando voltei à empresa. Mantive o emprego porque o cara gostava de mim e eu vinha fazendo bom trabalho, também. Mas o que era uma simples “condição extra contratual” ( leia-se “fio de bigode”) passou a ser, a partir daí, um juramento. Como ia eu, então, voltar a pedir a ele para correr "só mais umazinha"?
Não sei como consegui, mas sei que a questão financeira pesou muito. Consegui mostrar a ele que o valor que a Fiat ia me pagar representava o salário de um ano de um gerente da companhia (eu era, na época, apenas coordenador). Também, mais uma vez valeu o aspecto sentimental e o fato dele gostar de mim e das corridas de automóvel (afinal tinha me patrocinado desde o primeiro dia da Equipe Jardim Itália). Eu argumentara que em toda a minha carreira de piloto sempre corri atrás de patrocínio e agora, tinha uma oferta que representava todo aquele sonho de ser um profissional do automobilismo e que nunca conseguira realizar. Que ele tinha que me permitir realizar este sonho.
Prometi que eu não iria prejudicar o trabalho, que era coisa de fim de semana, que sairia da empresa no final do expediente de sexta feira e voltaria na primeira hora da segunda. No fim, consegui, sob estas condições, e lá estava eu desembarcando em São Paulo na sexta feira à noite e rumando para o Autódromo de Interlagos, todo engravatado, para o treino noturno obrigatório da competição.
O treino terminaria às 22:00 e eu cheguei nos boxes às 21:30. Todo mundo nervoso, se não treinasse, não corria no sábado. O Conill, que estava em Interlagos desde quarta feira, acertara o carro, o Fiat Oggi #48, e este estava uma bala. Botei o macacão por cima da camisa social, mal pude tirar a gravata, e saí para as minhas poucas voltas que restavam. Lembro de ter perguntado ao Conill como os mais rápidos estavam fazendo a curva 1, e ele me respondeu: “ de pé embaixo “, mas acrescentou: “ cuidado que o carro está meio traseiro, se você tira o pé do acelerador rápido demais a traseira escapa e o carro dá uma chicoteada muito perigosa, teremos que ver como solucionamos isto depois “.
Sai do box para a volta de reconhecimento meio tonto, gente passando por todos os lados, faróis que surgiam nos espelhos retrovisores de repente, um inferno. Completei a volta tentando me adaptar aquelas condições, com um pensamento fixo na cabeça : “ não posso tirar o pé na 1, vai estar todo mundo no muro dos boxes olhando, não posso me mixar “. No meio da reta pisei fundo, passei pelos boxes voando, trinquei os dentes e encarei a 1 com o pé direito fazendo buraco na sapatilha. Você sabe, a curva 1 de Interlagos era “a curva”, antes da reforma. Eram na verdade duas curvas em uma . Você abria , fazia uma tangente em seguida e escorregava para fora já preparando a tomada da 2. Um raio longo, em relevê, que desembocava num longo retão de quase um quilômetro. Fui bem até o meio dela , fiz a primeira tangência perfeita, deixei o carro escorregar para fora da curva para preparar a entrada da 2 quando, de repente, vi um carro praticamente parado na zebra externa, bem aonde eu estava escorregando para iniciar a tomada da 2! Instintivamente tirei o pé do acelerador, o carro embicou para dentro, corrigi o que pude, re-acelerei para endireitar a trajetória , tirei um fino de milímetros deste carro agora parado, entrei na grama de cano cheio e grudei o carro de frente no guard rail externo da curva. O carro dobrou no meio! Ficou um L. Deixei baixar a poeira um pouquinho, e voltei me arrastando para os boxes. Você pode imaginar o clima. Os caras treinando desde quarta feira, o carro em ponto de bala e aí vem um "zebu" e gruda o mesmo no guard rail na sua primeira volta de treino! Caramba!!!
Final da história: os mecânicos trabalharam toda a noite, arrumaram o que puderam e nós corremos com o bicho meio tortinho. Não sei que posição chegamos, mas boa não foi.
Algumas semanas depois teve uma corrida em Guaporé, aí com o carro refeito demos um show, largamos em segundo (veja a foto em anexo, atente para o número de carros na largada), acho que até ganhamos ou quase. Botei o meu dinheiro no bolso no final do ano, mas uma coisa ficou claro: meus dias no automobilismo tinham acabado. Não havia como ser competitivo num esquema daqueles, de chegar na véspera e, muito menos, de trabalhar pensando nestes fins de semana malucos, sabendo que na segunda feira teria que estar inteiro no escritório para não falhar, também, no trabalho.
Terminava aí a saga de um "barbeiro" (como o pai me chamava, carinhosamente, brincando depois que passava a sua fúria por eu quase ter quebrado a caixa do seu Simca Chambord nas arrancadas, nas aulas que me dava de direção) no automobilismo."
Apenas completando a informação sobre a prova de Guaporé, que teve um grid de 45 carros, a dupla concluiu na terceira posição, a três voltas dos vencedores. A prova iniciada às 22:00 do Sábado, foi interrompida às 03:24 por causa da neblina. A esta altura o Oggi #48 era o segundo. A imagem mostrada acima é da nova largada dada às 08:30.
Bom pessoal, foi um prazer enorme e um baita privilégio ter mantido contato com esse grande personagem do automobilismo gaúcho e brasileiro. Um cara que como vocês perceberam, ao longo desses últimos dias, tem muita história para contar. As portas do Blog estão sempre abertas e se ele quiser enviar mais histórias, tenho certeza que o público vai agradecer. Isso vale para todos aqueles, que da mesma forma, escreveram a história do nosso automobilismo.Para encerrar essa série, reservei uma imagem que não precisa de muitas palavras para descrevê-la. É o retrato do que foi uma das mais acirradas competições da história do automobilismo no Brasil, e da qual Antônio João Freire saiu dela como um dos melhores pilotos que por lá passou.
Valeu, "Janjão"!
Fonte das imagens: arquivo "Janjão" Freire, revista Auto Esporte, arquivo Luiz Fernando Silva e livro 12 Horas.
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